Ela...

Ela foi… Criança, viveu uma infância, atribulada… Gostava de muita coisa, da creche, de brincar na casinha, gostava da Educadora Carla, gostava das actividades, principalmente de quando enchiam a mesa de tonta, faziam um desenho com as mãos e depois punham uma folha por cima, ficando assim o desenho projectado na folha, não gostava de dormir a sesta, ansiava pela altura de ir para a classe dos crescidos para deixar a sesta de lado e poder brincar, gostava de ver os filmes de desenhos animados, e um dia, dia esse dia dos namorados, ela namorava, era crianças mas era namoro sério pois, recorda a prenda que o namoradinho lhe deu, era um pequeno guarda jóias em forma de coração, nesse dia estavam todos sentados no chão vendo o filme da pequena sereia, então na cena em que o príncipe beija Ariel ele pega na sua mais firme olha-a nos olhos e diz “eu sou o teu príncipe e tu a minha pequena sereia, amo-te” e dão um beijinho na boca… Sempre foi muito Maria-rapaz, nunca foi de muitas brincadeiras com bonecas, adorava jogar a bola, e principalmente já na pré-primária gostava de passar os intervalos a dar pontapés nas canelas dos meninos que a tentavam domar, não aceitava pedido algum de namoro, era pequena, arisca, revoltada, meiga, brincalhona, e ao mesmo tempo bastante calma, sempre foi bastante esperta, gostava de dar respostas para tudo, era refilona, adorava a escola, adorava aprender, enquanto no 1º ano os colegas iam nas palavras começadas por A ela já ia nas começadas por B e querendo já partir para as por C… Passado um ano e já ia sozinha para a escola, chegava sempre a casa contente e á espera da pergunta e do gesto que nunca teve nem ouviu… Ás vezes chegava a casa queixosa porque lhe haviam batido ou roubado, chorava e ainda ouvia um sermão… Aprendera a ter que se defender sozinha. Acabou a pré com notas excelentes, e com enorme vontade de continuar a estudar, seguiu para a preparatória, já bem mais crescida, mas com menos vontade de estudar, ainda assim passou de ano, adorava andar de autocarro para ir para a escola, adorava a escola e os colegas… Mais um ano, ano este de rebeldia, não fazia os trabalhos de casa, foi pela primeira vez para a rua, levava recados para casa, virou a revolta toda, os pais nada perguntavam ela nada dizia… Ansiava ainda a pergunta e o gesto, ansiava chegar a casa, receber um beijo com a pergunta “Então filha como te correu a escola?”, mas nunca a ouvira nem aquele beijo recebera… Naquele ano tudo havia sido bem complicado, ela estava rebelde, e os pais cada vez mais complicados para com ela, não a entendiam mas também não queriam entender, estavam também numa fase complicada em que discutiam por tudo e por nada, ás vezes por actos dela eles discutiam e a mãe culpava-a porque tudo corria mal… Nessa altura o se aconchego era a visinha Teresa, aquela senhora de idade que a levava para o café enchia-a de chupa chupas e pastilhas e ficava olhando-a lambuzar-se com aquilo e falando da escola e dos amigos… No 6º ano chumbou, lá foi de castigo para o norte para casa da avó sozinha para lá… E lá passou as férias, na pequena aldeia perdida do mundo, jogava á bola desde de manhã até á noite… As férias lá acabaram… Mais uma vez no 6º ano, desta vez mais crescida, aprendera que não podia prejuicar-se apenas porque os pais não se preocupavam… No dia da apresentação gostou da sua turma… Era uma nova etapa, ela estava mais crescida mesmo… Esse ano foi, bastante importante… Foi nesse ano que ela começou a agir como uma menina, lá deu o primeiro beijo teve o seu primeiro amor, chamava-se Tiago… O seu primeiro beijo recorda que foi no poço da escola, num jogo de verdade ou consequência, o rapaz era um “negrinho” e chamava-se Admar… Nesta fase já não esperava nem a pergunta nem o gesto, nesta fase ela simplesmente não esperava atenção, carinho, nem perguntas algumas… Chegava a casa contente com as notas mas também como não perguntavam ela não dizia nada, não se sentia também capaz de pedir afecto, visto que isso é algo que não se pede mas sim dá-se de boa vontade… Passou de ano, mudou de escola, mais uma vez mudou, tornou-se uma miúda de quebrar regras, começou nesse ano a baldar-se… Mas nesse ano também começou a ver o que era a verdadeira amizade, havia uma grande ligação entre a sua turma… Virou ainda mais firmemente uma miúda de ideias fixas, se assim ela pensava ninguém mudava a sua ideia, a não ser com factos que ela entendesse que estavam melhores que os dela. Lá passou de ano, cada vez mais adulta, e os pais mais desinteressados e implicantes, e ela cada vez mais menina – mulher, com talentos a desvendar… Gostava de musica, de ler, de escrever, gostava de desenhar… Foi um ano sereno este… No final deste ano lá teve o seu 2º amor, amava-o ele amava-a, ambos sabiam mas nenhum dava o braço a torcer… Passou de ano e no inicio do ano teve o seu namorado a sério, antes havia tido umas curtes, nada de sério… Teve uma aventura bem perigosa esse ano que a levou a mudar muito por dentro, era uma menina sem medos, e de um momento para o outro passou a ter medo da própria sombra… Mas lá continuou a ser quem era… O seu namoro acabou, ela era uma miúda difícil de entender, complicada, e amedrontada, tinha medo de se magoar… Hoje ela gosta, de musica, ler, escrever, falar, rir, gozar, brincar, conversar, gosta de desenhar, gosta de gostar, gosta dele, gosta dela, ela ama, ama-os, gosta de sonhar, gosta de ser… Apesar de chegar a casa, contente porque ganhou um concurso na escola, e nada dizer, porque nada perguntam… Ela foi… Ela é… E ela será… Ela fará por ser… Ela perde-se, ela encontra-se e volta-se a perder… Ela é… Menina – Mulher…