(Favaios)
Pela primeira vez, depois de há muito tempo eu não vou, eu não vou lá estar. Não vou parar em Mondego, e ver a tia que fala rápido e muito alto, não vou ver a prima pequena caladinha e de sorriso maroto, o primo, cada vez maior o miúdo, que adora motas e que tropeça nas palavras, e o lugar da bisavó que também já está vazio. Não vou subir as escadas que outrora subi de joelhos por serem tão altas, não vou ouvir os milhentos pintassilgos que o avô apanha, não vou entrar na sala com o armário repleto de coisitas do avô. E os chocolates ou amendoins, ou outra coisa qualquer, que ele tem sempre para dar. Não vamos parar no café do costume, e comer o gelado que o avô dava sempre, não vou ter o abraço com a barba dele que pica, nem me vou sentar no colo dele enquanto todos na mesa conversam. Não vou visitar as tias, nem ver as primas e primos, cada vez mais adultos, não vou ver o cão enorme da tia Luz, que está a ficar velhote, nem as galinhas da tia São, que parecem ser sempre as mesmas, agora a tia Gina tem um terraço grande com uma piscina, e os almoços lá são sempre bons, mas não vou, desta vez não vou ver os tantos licores que ela prepara, as compotas, e os trabalhitos dela, que tanto jeito têm aquelas mãos… Não vou ver aqueles andores repletos de flores lindas que parecem de plástico, não vou ver a banda a preparar-se para tocar, nem a fanfarra, que nela, ainda me lembro, de ser pequenina, e ver os primos e as meninas, pouco mais velhos que eu, e que agora lá estão, homens e mulheres, a cada ano que passa, uma diferença, que desta vez não vou ver. Não me vou sentar no terraço na igreja enquanto lá em baixo vejo tanta gente a passar, os meninos com as partidas das bombinhas, a fanfarra passa, e abre-se caminho, o do tambor, que um dia lançou tão alto a baqueta que ficou presa a um fio, faz sempre algo diferente, mas desta vez… Não vou ver. Não vou brincar com a prima pequenina, nem ver a que nasceu. Não vou descobrir mais um membro da família, ou alguém que me trocou as fraldas. Não vou ver a procissão nem os meninos com as roupas quentes que também eu já vesti. Não vou ver o tio João com a prima Carina, nem vou a casa deles maravilhar-me com todas aquelas coisas que a prima me mostrava sempre. Não vou trincar o lábio ou a língua, nos embates dos carrinhos de choque, nem ter que dizer que vou para o parque para poder ir andar nos carrosséis ás escondidas. Não vou encher os ténis de areia a jogar ás escondidas, nem tocar com os pés na estrelas, no baloiço que já lá não está. Não vou passar pelas ruas lindas do sitio onde nasci, nem ver as gentes de sempre… Não vou sentir o cheiro do frango assado como só ali existe. Nem ver o fogo de artificio encostada ao avô, até doer o pescoço, e não dizer “Oh” como se ouve tantas vezes, mas deixar chover nos meus olhos todas aquelas luzinhas. As notinhas do avô para pipocas e os sumos do tio para matar a sede. Era sempre bom ir, saber o que lá encontrar. Foi sempre mágico, assim como aquela aldeia é. Mas este ano, desta vez, não vou lá estar. E já sinto saudades disso, assim como de ver as senhoras a lavar a roupa na fonte…